[DEIXAI TODA A ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS!]
Dante Alighieri, Divina Comédia

quinta-feira, janeiro 21, 2010

Li isto algures:

Morreu por três quadros de flores

O único escritor haitiano que conheço tem nome pomposo como o chapéu napoleónico de Toussaint Louverture: Louis-Philippe Dalembert. Trago-o para aqui só por causa do título de um dos seus romances: Le crayon du bon Dieu n'a pas de gomme (O lápis do bom Deus não tem borracha). Deus fez, está feito, não há mais pinceladas a dar. Um fotógrafo da Reuters ilustrou esse derrotismo, ontem, com Fabienne. A rapariga está deitada numa laje de cimento que ilustra o terramoto que nos chamou a todos para o Haiti, há rachas, blocos partidos... Fabienne também está assim, acabada. Tinha sido poupada ao terramoto, o lápis do bom Deus tinha outros propósitos para ela, sem borracha para lhe safar o destino. Ontem, ela foi roubar quadros. "Voleuse d'art" é também pomposo como o chapéu do imperador Toussaint Louverture. Fabienne roubou três desses quadros que os haitianos vendem nas praias da vizinha Punta Cana a 15 dólares (10, regateados). Em dias destes, ela era uma saqueadora. Os quadros eram de flores, um deles de dálias róseas, e tinham ainda daqueles cartões que protegem os ângulos das molduras. A foto mostra Fabienne, sobre os quadros. Morreu logo ao tiro do polícia, não estrebuchou, nenhum dos chinelos lhe saiu dos pés. No Haiti deve ser isso uma natureza morta.

Ferreira Fernandes, DN

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